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História da joalheria

Fred Leighton, eu e nosso amor pelas joias

Esse texto foi originalmente publicado em 07 de agosto de 2017, no Bijoux Bliss.

No dia 07 de agosto de 2017, acordei com uma notícia triste: Fred Leighton havia falecido. Foi numa quarta-feira, dia 26 de julho. Andava tão ocupada que demorei a ficar sabendo. O mundo da joalheria se despedia de uma figura discreta, mas muito atuante. Leighton foi um dos responsável pelo crescente interesse no mundo inteiro por joias do século 18, 19 e da primeira metade do século 20. Exatamente um ano depois de escrever esse texto, eu defendia minha tese de doutorado em que falava tanto de memória, história, afeto e identidade. Coincidências.

Foi com ele que minha paixão por joias antigas ganhou força. Estudava atentamente os livros, os acervos dos museus que tinha a oportunidade de visitar, acordava de madrugada para assistir casamentos reais e coroações, pela simples oportunidade de ver peças antigas. Quando em 1996, Leighton colocou em Nicole Kidman uma gargantilha com opalas, um mundo de novas possibilidades se abriu. Seguindo seus passos, vários antiquários passaram a oferecer seus acervos para celebridades usarem em ocasiões especiais.

Hoje se sabe que a grande mentora dessas ações foi Rebbeca Selva, atual CCO (chief creative officer), diretora de relações públicas e designer de joias da Fred Leighton, atualmente pertencente à Kwiat.

Nicole Kidman com a choker de opalas no Oscar de 1996.

Nos anos 2000, com a explosão dos tapetes vermelhos, o Oscar, o Golden Globe, o baile de gala do Costume Institute do MET e todos os eventos com grande presença da mídia passaram a contar com joias antigas, já que as grandes casas joalheiras se juntaram aos comerciantes, abrindo seus acervos históricos. O acesso a joias belíssimas passou de esporádicos eventos da realeza para um calendário anual cheio de brilho e histórias. A Fred Leighton foi além. Ele começou a garantir espaço em muitas produções cinematográficas que precisavam de joias de época ou, simplesmente, joias lindas.

Sarah Jessica Parker, ainda encarnava a fashionista Carrie Bradshaw, no final da última temporada de Sex and the City (2004), quando usou um colar com contas de diamante dado por Aleksandr Petrovsky, personagem de Mikhail Baryshnikov. Fred Leighton, é claro.

Sempre acalentei o sonho de trocar umas ideias com ele, saber sobre esse amor por peças antigas que temos em comum e sobre como ele criava as joias novas sempre com gemas antigas e uma pegada vintage que só ele conseguia dar às peças. Também queria agradecer em nome das joias que trocam de mãos sem serem destruídas, porque hoje se poupa a vida de peças que seriam derretidas até pouco tempo atrás. Afinal de contas, Fred Leighton ensinou a seus pares e aos clientes que as joias antigas são maravilhosas. Ele deve estar tomando um champagne com Elizabeth Taylor numa hora dessas.

(Escrevi um sem número de vezes sobre as aparições de joias de Fred Leighton nos red carpets, mas em 07 de maio de 2009, foi quando escrevi sobre ele pela primeira vez)

O joalheiro e o banqueiro

Fred Leighton é um joalheiro que negocia peças vintage, especialmente vitorianas, art déco e art nouveau. O profundo conhecimento dessas joias permite também o desenvolvimento de peças geniais. Muitas vezes elas são feitas a partir da reutilização de partes de outras joias ou reinterpretando peças do acervo. Ele se tornou mundialmente conhecido por causa de sua política de empréstimo para tapetes vermelhos, eventos beneficentes, filmes e até eventos particulares. Há sempre uma celebridade com alguma peça Fred Leighton na mídia.

Meryl Streep usa brincos Fred Leighton na cena da festa da revista Runway no MET e com ela (ops, nunca tinha reparado nesse anel…) Anne Hathaway. O filme é O Diabo veste Prada, de 2006.

Sua história é tipicamente self made man. Murray Mondschein comprou em 1959, em Greenwich Village – Nova York, uma pequena loja de artesanato mexicano chamada Fred Leighton, onde vendia entre otras coisitas peças de prata. Um comerciante de antiguidades vitorianas ofereceu a ele um lote de joias que foi vendido rapidamente. Ele percebeu aí uma grande oportunidade e começou a dividir seu tempo entre a loja e viagens para comprar joias antigas. Achou pechinchas entre as famílias européias, que ainda tentavam se reerguer depois da segunda guerra, e vorazes compradoras entre as milionárias de Manhattan. Seu negócio prosperou e, em 1974, ele adotou o nome do antigo proprietário de sua loja e se mudou para o Upper East Side (Madison Avenue). Neste endereço, ele fez fortuna vendendo suas joias vintage.

Eis que em 2006, ele vendeu sua marca para Ralph Esmerian, com quem fazia negócios há muitos anos. Ele se aposentou e se tornou consultor no desenvolvimento de linhas de joalheria nova e relojoaria.

Novamente Meryl Streep como Miranda Priesley e um colar de inspiração egípcia.

Ralph Esmerian, por sua vez, pertence à quarta geração de uma família de negociantes de gemas e joalheiros. Seu avô foi lapidário em Constantinopla no final do século XIX. Seu pai foi um joalheiro que trabalhou primeiro na França e depois nos EUA. Ele se tornou famoso ao criar uma das primeiras coleções de joias da Neiman Marcus.

A novela começa quando, para levantar recursos para a compra, Ralph Esmerian ofereceu como garantia de empréstimo ao Merryl Lynch parte de sua coleção particular de gemas, antiguidades e obras de arte. Apesar dos planos de fazer da Fred Leighton uma marca mundial, os negócios não se desenvolveram como esperado e a crise pegou todo mundo de mau jeito. Para surpresa do empresário, os diamantes não são os melhores amigos dos banqueiros. Em outubro de 2006, Merryl Lynch pediu a falência da joalheria. Houve muitas idas e vindas na justiça, porque Esmerian alegava que vendas privadas de pequenos lotes de peças arrecadariam mais recursos do que um grande leilão. Finalmente, em 15 de abril, parte dos bens de Esmerian e do acervo da Fred Leighton iriam a leilão, na Christie’s, sob o nome de Rare Jewels & Gemstones: The Eye of a Connoisseur. Esmerian conseguiu suspendê-lo, fazendo uso da legislação de proteção à falência. Desde então fala-se de vendas particulares com peças muito abaixo do preço de mercado.

Kirsten Dunst com lindos brincos, vendidos logo após às filmagens. O filme é Maria Antonieta, de Sofia Coppola, 2006.

Não é preciso nem dizer que a Fred Leighton já estava mal das pernas quando foi vendida. O Sr. Mondschein já tinha sido pego mais de uma vez fraudando impostos, o que nos Estados Unidos costuma dar cadeia. Ralph Esmerian andava pedindo dinheiro a meio mundo, respaldado pela famosíssima coleção de sua família. O Merryl Lynch precisava de dinheiro em caixa e não queria nem saber de diamantes raros. O toque de classe foi dado ao contratarem Peter Bacanovic para ser o CEO que seria responsável estruturação da nova joalheria. Detalhe: ele foi a figura chave naquele escândalo que colocou a Martha Stewart decorando cela de penitenciária, há uns anos atrás. Moral da história: nem tudo acaba em pizza. Há coisas que acabam em leilão da Caixa, ou não. Será que todas aquelas estrelas estavam usando suas novas aquisições na Noite de Gala do Costume Institute de 2009? Será que a minha joalheria preferida vai virar pó?

O colar de topázios, os brincos georgianos e outras peças usadas em cenas de Maria Antonieta. Tudo Fred Leighton, claro.

A joalheria, com lojas em Nova York e Las Vegas, não virou pó. Foi comprada pela Kwiat e está mais forte do que nunca, embora não exista mais aquele site lindo, onde podíamos nos deliciar com o acervo constituído por Fred Leighton. Apesar disso, o trabalho de Rebbeca Selva continua e pode ser conferido na entrevista que ela deu em 2018 para a Current Obsession.

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